quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Era somente ela e a luz da lua. Em um dado momento, significante apenas por detalhes, ela fita o espelho usando apenas o canto dos olhos, quase como quem não quer ver. Talvez de fato não quisesse. A imagem dolorosa e nitidamente refletida revela traços de uma desconhecida. O cabelo mais longo do que lembrava, inundado de uma tonalidade estranha e inesperada. A raiz denuncia uma cor familiar aos olhos: algo como castanho acinzentado, que já havia sido quase esquecido entre a névoa da mudança desenfreada de outros tempos. São três quilos a menos desde a ultima vez que realmente se encarara. Novas roupas, um manequim ao menos. Deveria estar orgulhosa, mas não. Era a realidade vindo de encontro à superfície de seu ser. Dava para sentir a dor nos ossos e a ardência da pele. Dos dedos finos despontavam unhas mal cuidadas, fracas e inevitavelmente sujas. O sangue vermelho-pálido escorria sem força alguma pela face, arruinando a bela maquiagem e revelando uma série de imperfeições. Comprara novas meias brancas, já que, por alguma razão, não tolera meias de outra cor - ainda que insista em surrá-las ao andar descalça o tempo todo pela casa. - Os olhos rodeados por um tom arroxeado quase que vibrante denunciam sem piedade as últimas noites mal dormidas. As rachaduras na boca demonstravam que o inverno continuava a fazer efeito. Já era tarde da noite. O cansaço se fazia presente e assim foi até que adormeceu. Adormeceu naquele dado momento que pairou e se foi; sem lembrar que amanhã era um novo dia. Fazia tempo que ela não encarava a imagem no espelho. Fitou rápida, precisa e dolorosamente, apenas com o canto dos olhos. Assim, com aquele jeito de quem não quer ver.

Texto produzido em 15 de maio de 2008.