sexta-feira, 12 de setembro de 2008

É engraçado como tudo parece diferente à noite. As luzes da cidade ganham brilho, em compensação às cores perdem a intensidade. O céu se rende à escuridão que, por sua vez, se estende ao universo.

Agora a lua brilha e enxerga as luzes mais brilhantes e as cores mais apagadas. Sabe como é, dizem que a lua não tem brilho, mas brilha.

Não deve ser fácil ser o sol. Partindo do pré-suposto que antes, o todo (a lua, a terra, o sol e o resto, não tão relevante) era condensado; se a lua já se sente sozinha assim, grudadinha na Terra, imagina ele. Deve ser complicado ter o futuro na palma das mãos desde o começo dos tempos (ao menos, desses tempos). Pra quem não entendeu, eu to falando dos tempos que se seguem desde que o todo deixou de ser "uma coisa só" e se tornou um universo gigantesco. Irônico é que muitos denominam isso de "A Criação".

Quem sabe o sol só tenha o cuidado de brilhar todos os dias, cumprir a sua agenda, uma hora aqui e outra ali, pra cuidar da lua. Negócio é, que apesar de todo o cuidado com a lua, por algum motivo, na explosão (aquela que alguns denominam criação) lhes foram designadas missões em lugares diferentes. Pode parecer cruel o fato de que as circunstâncias deram certo desse modo, mas a lua se faz necessária onde está e o sol não foge da regra.

A lua tem o poder de controlar ao seu gosto os mares e as marés de um planeta água. Pode parecer pouco, mas nas mãos da lua, assim intensa e mutante como é, esse poder pode ser verdadeiramente catastrófico.

A lua, que não tem brilho, mas agora brilha, vive de fases. Quem sabe o sol só tenha o cuidado de brilhar todos os dias, cumprindo a sua agenda, uma hora aqui e outra ali, pra cuidar da lua. Ela, que inspira, faz sentir e faz sonhar.

O sol, que por suas razões aceitou a missão de ir para o centro de um "novo mundo", regendo os 8 ou 9 planetas daquele sistema que lhe foi posto sobre cuidados; aceitou também ficar distante da lua. Foi uma quebra de promessas, quase uma tragédia. Mas ainda assim, havia uma condição. Não deixaria de acompanhar "a sua pequena" (naquelas circunstâncias, já não tão sua), fosse como fosse, estivesse ela repleta de amargura ou não. Acho que nem é preciso explicar que toda a mudança tem seus efeitos. Por isso, foram dadas a lua, as estrelas, para que estas fizessem companhia, controlassem a sua fúria e curassem aos poucos suas feridas. Ao sol, foi dado a luz, o calor (não é a toa que ocorrem intensas e constantes explosões em toda a sua extensão) e a responsabilidade.

Foi assim, uma decisão acertada com o Diretor lá de cima e eles se separaram. O sol tomou seu posto e começou a cumprir a sua tarefa, que já era almejada a tempos com o conhecimento da própria lua. Ela, revoltada, por séculos recusou-se a aparecer, causou tempestades, maremotos e dilúvios, um aqui e outro ali. Era difícil deter assim, de uma hora para a outra, a fúria de uma lua que se viu obrigada a seguir uma vida achando que fora abandonada pelo sol naquele universo estranhamente imenso. A lua, até então, desconhecia seus limites (até mesmo territoriais), já que era tão condensada com o sol até a hora de separação, ou criação.. Enfim, como preferirem.

É. A lua não fazia a mínima idéia das condições do contrato. E assim foi. Dia após dia, cada um do seu jeito, se adaptando aquele novo e complexo sistema, até que o mesmo caísse na rotina. As páginas da agenda iam sendo arrancadas e, no mesmo ritmo, a idéia do todo inicial ficava mais e mais distante. É assim que acontece, não que deixe de doer, mas a dor acostuma.

A lua, que se recusava a aceitar qualquer coisa que viesse do sol, mesmo que lááá de longe, continuava sem aparecer, sem brilhar, apenas criando catástrofes que aos poucos passavam a se limitar a momentos de TPM ou de fuga. Sabe como é, nada de demonstrações pro resto do universo. Quem se importaria, afinal? E mais uma vez foi assim. Aos poucos as coisas foram se acalmando, a lua foi se recompondo, tocando a eternidade para frente e estudando qual seriam as suas tarefas para o resto da tal eternidade em questão. O destino do sol ela já não sabia. Aliás, dele ela já não sabia mais nada e duvidava até mesmo do que costumava saber. E como quem possui o controle da situação, fingia tão bem, como era usual, que nem queria mais saber, que não sentia mais e que tampouco ainda se importava. O sol a observava de longe e por breves momentos congelava pelos sentimentos que o invadiam ao acreditar nas inverdades tão bem tramadas da lua.

Deve ser complicado ser o sol. Imagina, ter assinado o contrato, tomado a decisão, deixando a sua pequena aos cuidados das estrelas com a idéia fixa de que não era merecedor de tal companhia. Ele havia assinado o contrato e era fato imutável. Era grande (e isso a lua sempre disse), mas se sentia fraco. Ele havia assinado, mas não pôde deixar de impor uma condição; e é essa, que complica tudo. Observar já não significava mais participar e em sua mente, para aquele amor já não havia caminhos. Porém, ele por breves momentos congelava pelos sentimentos que o invadiam ao acreditar nas inverdades tão bem tramadas da lua.

Era assim e poderia ser para a eternidade. Dois mentirosos. Poderia ter sido assim se o sol não tivesse renegociado o contrato. O Diretor do sistema avisou que era arriscado, porém, o sol tinha essa autonomia e a escolha estava em suas mãos. Estava decidido, se aproximaria novamente da lua, gradativamente, até que pudesse encontrá-la apenas mais uma vez, caso ela concordasse. Assim surgiu o movimento dos planetas e pouco a pouco o sol voltou a se aproximar da lua.

Deve ser complicado ser o sol. Ver as faces mentirosas da lua, acreditar nelas e sentir o que sentia. Ter que escolher entre procurar ou apenas seguir a sua nova rotina, que agora lhe parecia vazia.

E assim foi. Começou uma troca de mensagens via estrelas cadentes ou algo assim. No começo, à distância entre os dois era a maior possível. Era assim que a lua queria. A medida em que os planetas se movimentavam, a aproximação dos dois se tornou inevitável em meio aquele turbilhão de sentimentos despertos. Apesar de a lua se manter estática, na posição mais longe do sol que lhe era possível (em relação a Terra), relembrar aquele jeito de ser, que não tinha sido esquecido nem por um milésimo de segundo, fazia os sentimentos insistirem cada vez mais em se deixar transparecer. Os planetas se aproximavam e a verdade sobre tudo surgia. A verdade sobre os sentimentos, a verdade sobre o contrato e até mesmo a condição estabelecida pelo sol. Foi então que a lua teve certeza que nem a distância, a teimosia, o seu orgulho ou o passado seriam suficientes para apagar o que eles sentiam. E não que isso fosse uma coisa boa. Estava feito. O sol tinha tomado a sua decisão e ela nem teve chance de opinar (mesmo tendo certeza de que não opinaria). Ela não tinha sido levada em consideração e isso para ela - deveria ser - o fim. O fato é que estava feito e ainda assim, não tinha acabado, aliás, não estava nem perto.

Mas era assim. Não sabiam se por conjunção estelar ou reações químicas. A medida em que se aproximavam, pouco a pouco eram quebradas as barreiras universais que havia entre os dois. Era como se o universo saísse do silêncio e uma conhecida canção voltasse a tocar. Apesar disso, ambos sabiam exatamente o limite daquela relação, intensa e bruscamente cortada no ponto em que ultrapassava a linha tênue da amizade fiel que já tinham construído a tempos atrás. A lua ainda brincava com os mares e marés a seu gosto, em uma dança descontrolada. Podia ter sido naquele momento, mas, ao se avistarem, perto como estavam, para a lua o ar faltou e o sol sentiu a temperatura diminuir, ainda que contra a vontade. E isso foi tudo.

Deve ser complicado ser o sol. Após aceitar uma missão assim, não poderia se dar o luxo de experimentar aquela sensação de esfriamento. Pediu ao Diretor que parasse o movimento imediatamente. Percebeu que não estava pronto para encontrar a lua sem, quem sabe, ultrapassar a tal linha. Já possuía suas novas responsabilidades e compromissos. Tudo estava longe de ser fácil para ele. E mais uma vez foi assim. Ficou ali, sem saber o que fazer, sabendo que era tarde demais e apenas esperando que a lua se escondesse novamente atrás da Terra.

Aquela proximidade já lhes soava confortavelmente incomoda e voltar atrás, o sol sabia que já não podia. Foi então que decidiu. Aproveitaria sua chance de encontrá-la novamente. Seria apenas uma conversa, um esclarecimento. Matar a saudade, intensa e sem explicação, pelos milênios que passaram longe. Já estava combinado e acertado. E na mente de ambos, se controlar seria bem mais fácil do que realmente.. bom, foi.

Alguns chamam de eclipse o que eu prefiro chamar de encontro. Enfim, é a mesma coisa. Um milésimo de toda a eternidade. Essa parte eu não preciso detalhar, ? Bom, era pra conversar e assim o foi. Mas realmente se controlar foi mais difícil do que eles imaginavam que seria. Quanto ao "descontrole"? Foi como sempre, talvez melhor e mais intenso do que eles lembravam. O difícil era se separar novamente, sabendo que aquela poderia ter sido, novamente, a última vez.

Mas já estava decidido antes mesmo de acontecer. E assim foi. A lua como sempre intensa, se via agora repleta de luz e um calor que lhe aquecia a alma. Repleta de muitas perguntas e pouquíssimas respostas. Com tudo isso, ela não fazia a mínima idéia do que fazer. Jurou a si mesma que não iria mais se deixar depender do sol, mas suplicava as estrelas que levassem e trouxessem mensagens o tempo inteiro, dia e noite. A lua, agora repleta de luz e dúvidas, deixou para trás os fantasmas do passado e resolveu se concentrar na eternidade. O sol já não estava mais a seu lado e isso não podia ser tão ruim assim. Se fosse, o azar seria deles. Graças a luz que havia lhe invadido, a lua decidiu que já era tempo de voltar a brilhar com toda a intensidade. E assim surgiu a lua cheia. Engana-se quem acha que a lua não tem brilho. Ela tem sim, e muito, ainda que o mesmo venha do sol. Dessa vez, manter esse brilho é que era mais difícil do que ela supôs que seria.

Já o sol, sentia uma força nova dentro de si. Porém, o vazio que a saudade lhe causava crescia cada dia mais e com mais intensidade. Observar a lua, sem fazer parte da vida dela, começava a lhe parecer cada dia mais insuficiente. Em uma nova reunião com a Diretoria lá de cima, implorou que lhe fossem dadas novas oportunidades de encontrá-la. E foi assim que aconteceu. Ficaram condenados a raros encontros, sem datas estabelecidas, a mercê das condições de todo o resto do sistema. E essa cláusula do tal contrato, não estava sujeita a alterações, salvo a possibilidade de cancelamento dos tais encontros, que por sinal, já foi cogitada em tempos de caos, mas não deu muito certo.

Agora já não tem quem não conheça a fase estável da história. Os planetas se movem, a lua tem fases, o sol cumpre suas tarefas sempre buscando estabilidade e os eclipses acontecem de tempos em tempos. O que eu venho aqui pra contar, que já não me parece assim tão óbvio, é que agora o sol e a lua cumprem suas missões, se comunicam por estrelas cadentes e se esforçam ao máximo para que haja o mais breve possível, as tais condições ideais para que ocorram novos eclipses. Que agora toda a estabilidade do universo se torna instável a medida que a Terra segue sua trajetória não circular em volta do sol, levando a lua consigo e, por vezes, puxando-a para os cantos mais longínquos do sistema.

Eu ainda acho que o sol cumpre sua agenda para cuidar da lua e tentar, a todo custo, dar a ela o brilho necessário. Quem sabe o caminho da eternidade? Mas a lua sabe que nem a distância, a teimosia, o seu orgulho ou o passado seriam suficientes para apagar o que eles sentem. Esperar por eclipses se torna cada dia mais complicado, mais vazio, mas não impossível. Quem sabe um dia a lua se desprenda da Terra, depois de organizar tudo o que já desorganizou em tempos de caos, ou quem sabe o sol desista do contrato. Aliás, quem sabe o caminho da eternidade? Apesar das incertezas universais, acho que agora muitos entendem que parece uma crueldade que as circunstâncias tenham dado "certo" dessa forma. Talvez pareça crueldade, talvez seja, mas, sabe.. Eu não sou lá muito imparcial nessa história.

Data desconhecida - escrito em diversas partes.